O
Ministério Público investigou o crime contra a ordem econômica ocorrido
no primeiro semestre de 2011. Em fevereiro daquele ano, houve um aumento
geral e repentino nos preços dos combustíveis vendidos em São Luís. O
aumento médio da gasolina foi de 13,59%; do etanol, 9,47%; e do diesel
foi de 6,86%. Na época, o presidente do Sindicato dos Revendedores de
Combustível do Estado do Maranhão (Sindcomb), Dileno Tavares, afirmou
que o aumento era causado pela retirada de descontos oferecidos pelas
distribuidoras. Dessa forma, a elevação de preços ao consumidor seria
apenas o repasse do aumento nas distribuidoras.
Em
depoimentos ao Ministério Público, representantes das distribuidoras
negaram a retirada de qualquer desconto, informação que é confirmada por
pesquisa da Agência Nacional do Petróleo (ANP). No período de 6 de
fevereiro a 5 de março de 2011, a variação nos preços praticados pelas
distribuidoras foi de 1,11% para a gasolina, 3,43% para o etanol e
redução de 0,22% no valor do diesel.
CORREDORES
Durante
as investigações, a Promotoria de Justiça apurou que havia uma divisão
da cidade em quatro “corredores”, nos quais os donos de postos eram
orientados pelo sindicato a praticar preços determinados na venda dos
combustíveis. Essa orientação era feita por meio de planilhas,
distribuídas aos associados pelo Sindcomb.
O
chamado Corredor 1 engloba as áreas do Renascença, Calhau, Ponta
D’Areia e Olho D’Água; o Corredor 2 atinge os bairros da Cohama, Turu,
Angelim e Cohab; no Corredor 3 estão o Anil, João Paulo, Av. dos
Franceses, Centro, Areinha, Camboa e Anjo da Guarda; já o Corredor 4
abrange a Forquilha, Maiobão, Cidade Operária, Maioba, Araçagi e
Cohatrac.
O Núcleo da Assessoria
Técnica do Ministério Público nas Promotorias de Justiça da Capital
analisou a planilha do Sindcomb, verificando a sua equivalência entre os
valores e a média dos preços praticados pelos postos nos “corredores”, a
partir de pesquisa realizada pela ANP. A conclusão apontou “forte
correlação, corroborando dessa maneira a tese da existência de
influência do Sindicato na orientação dos preços praticados entre os
postos”.
“Os números falam por si!
Não é mera coincidência o fato de a média dos preços dos combustíveis no
mês de fevereiro de 2011 ter sido exatamente igual ao valor contido na
planilha distribuída pelo sindicato”, afirma, na ação, o promotor de
justiça José Osmar Alves.
Além da
orquestração dos preços, as análises feitas pelo Ministério Público
mostraram que os valores praticados nas regiões mais populares era menor
que nas áreas nobres de São Luís.
ANP
Em
16 de março de 2011, a Agência Nacional do Petróleo publicou a Nota
Técnica n° 011/CDC, que analisa o comportamento do mercado de
combustíveis em São Luís no período de janeiro de 2010 a fevereiro de
2011, prazo que inclui o período investigado pelo MPMA. Na nota, foram
detectados indícios de práticas anticompetitivas, que caracterizam a
atuação cartelizada dos postos.
Analisando
a variação os preços semanais da distribuição e do varejo, a margem de
lucro média mensal na distribuição e varejo e o coeficiente de variação
dos preços, também nas distribuidoras e nos postos, a ANP não detectou o
alinhamento organizado nos preços de mercado. Já no que se refere à
gasolina (que nas áreas urbanas representa mais de 90% das vendas no
segmento de combustíveis), a conclusão apontou para a existência de
fortes indícios de cartel.
Levando em
conta outras duas notas técnicas, elaboradas em 2003 e 2009, a ANP
afirma que há um padrão de comportamento no mercado de São Luís, no qual
as elevações nos preços da gasolina chegam a um ponto em que os preços
não são mais sustentados, levando a uma “guerra de preços” entre os
postos que “culmina em nova tentativa de acordo de preços em patamares
elevados”.
“Conclui-se, assim, que há
fortes indícios de existência de um cartel na revenda de gasolina comum
no município de São Luís (MA), no qual os agentes buscam fixar preços e
auferir margens de lucro acima dos níveis competitivos no mercado”,
afirma a Nota Técnica da Agência Nacional do Petróleo.
ESCUTAS TELEFÔNICAS
No
curso das investigações, a 1ª Promotoria de Justiça Especializada de
Defesa da Ordem Tributária e Econômica de São Luís deflagrou a chamada
“Operação Cronos”, quebrando o sigilo telefônico dos principais
envolvidos no caso.
As escutas
telefônicas do presidente do Sindcomb e quatro outros proprietários de
postos captaram vários diálogos em que os interceptados tratam do acerto
de preços, das providências para pô-lo em prática e de dificuldade em
manter o acordo, dada a insistência de alguns proprietários em vender
combustíveis a preços abaixo dos combinados.
“Em
cada ‘corredor’ há sempre alguém disposto a descumprir o acordo,
praticando preço abaixo do combinado. Quando isso ocorre, os vizinhos
reclamam para os coordenadores, que entram em ação, pressionando o
desobediente. Conseguido o alinhamento do renitente, o mercado ‘se
acalma’”, explica o promotor José Osmar Alves.
As
escutas também demonstraram a participação do gerente da Rede de postos
Petrobras no Maranhão e Piauí, Manoel Oliveira Soares. Em uma ligação, o
presidente do Sindcomb pede a Manoel Soares que intervenha junto a um
proprietário de posto para que ele aumente os preços em um de seus
postos.
O mesmo empresário foi tema
de uma ligação entre o presidente do sindicato, Dileno de Jesus Tavares
da Silva, e um proprietário de posto. A interceptação telefônica mostrou
que dois falaram da necessidade de que esse empresário fosse
“eliminado”. Em depoimento ao Ministério Público, o empresário Dileno
Tavares explicou que, na ocasião, os empresários falavam da necessidade
de eliminar comercialmente o concorrente, por meio de denúncias que
fariam junto à BR Distribuidora por suposta ação predatória praticada.
Em
outra ligação, o presidente do Sindcomb e o empresário Herberth de
Jesus Costa dos Santos falam sobre o início da importação de etanol dos
Estados Unidos e que iriam aproveitar para adicionar água aos
combustíveis, já que o etanol norte-americano teria 0,5% a mais de água
do que o produzido no Brasil.
ASSESSOR
Um
dos denunciados pelo Ministério Público é o empresário da área de
comunicação Tácito de Jesus Lopes Garros, responsável pela assessoria de
comunicação do sindicato. Foi apurado pela promotoria que, durante todo
o período das investigações, Garros assessorava o Sindcomb ao mesmo
tempo em que era coordenador de Comunicação da Procuradoria Geral de
Justiça.
De acordo com José Osmar
Alves, o assessor sabia da existência das investigações do suposto
cartel e, portanto, sua posição de assessor das duas partes era
incompatível por conflito de interesses. Dessa forma, houve um acordo
para que o assessor fosse formalmente afastado do Sindcomb, “mas que ele
continuaria a assessorar o Sindicato”, explica o promotor.
Em
outra gravação, Garros orienta como o presidente Dileno Tavares deveria
falar sobre a questão dos preços dos combustíveis à imprensa. De acordo
com o promotor, pode-se observar que o assessor sabia da existência do
acordo de preços e sua principal função era garantir a dissimulação da
prática criminosa. “Faltou, portanto, no trabalho do jornalista Tácito
Garros, o componente da verdadeira comunicação social, ao tempo em que
sobraram indícios de seu comprometimento com a ‘causa’ dos operadores
do cartel”, observa José Osmar Alves.
PENALIDADES
Na
Denúncia, o Ministério Público requer a condenação de Dileno de Jesus
Tavares da Silva, Luiz Fernando Cadilhe Brandão, Carlos Moacir Lopes
Fernandes, Otavio Ribeiro de Jesus Neto, Thiago Morais Lima, Carlos
Gustavo Ribeiro de Paiva e Herberth de Jesus Costa dos Santos por formar
acordo entre ofertantes para a fixação artificial de preços com os
agravantes de ocasionar grave dano à coletividade e ser o crime
praticado em relação ao comércio de bens essenciais à vida. A pena é de
reclusão por dois a cinco anos, além de multa, podendo ser aumentadas de
um terço até a metade (Art. 4°, II, “a” c/c art 12, I e III da Lei
8.137/90).
Já Manoel Oliveira Soares e
Tácito de Jesus Lopes Garros também estariam incursos no Art. 4°, II,
“a” c/c art 12, I e III da Lei 8.137/90, além do art. 11 da mesma lei
que trata de “quem, de qualquer modo, inclusive por meio de pessoa
jurídica, concorre para os crimes definidos nesta lei, incide nas penas a
estes cominadas, na medida de sua culpabilidade”.
Fonte: Gilberto Leda Blog